Sexta-feira, final de tarde, friozinho chato abraçando a cidade sorriso. Na Praça Osório, gente em cima de gente indo apanhar o ônibus. Chega!! Que semaninha, heim!!!
Mas todos bem, com saúde e com disposição.
No Stuart, mesa da janela vaga, ali sento e peço um chopp. O garçom, amigo de outras paradas, olha e comenta que não será só um. Digo que talvez não. Vamos ver como desce o primeiro.
Janela de pista, cigarrinho aceso, só observando carros e pessoas que vão para descansar em casa ou para começar o que eu estava fazendo.
Na mesa ao lado, dois senhores conversam em voz baixa, enquanto um se apóia na bengala, o outro ajeita o cachecol ao redor do pescoço e tosse feito um doente, mas ainda ri, antes de tudo. Na mão esquerda, o cigarro aceso denuncia anos de vício.
Na mesa do centro do salão, o saco da rifa vem acompanhado pelo grito do garçom: valendo um pernil. Compro um número, bebo meu chopp, olho e aguardo o sorteio. Dali a pouco, um grito: número 29!!! Olho e é o meu. Peço para guardar o pernil para hora de ir embora.
Mais um gole, vejo um casal entrar e sentar na mesa ao lado da porta. Duas empadas, dois chopp e um cinzeiro. Que alívio. A maioria do povo presente é fumante. Menos mal. Com a discriminação dos dias de hoje, daqui a pouco vão nos proibir de fumar em casa, mesmo sendo um problema de cada um, dentro de sua própria casa.
O Requião já proibiu o uso de termos em outra língua na publicidade em Curitiba. Que bela lei. O homem governa muito, mesmo. Mas deixemos a política de lado. Ela nada nos acrescenta.
No balcão, um executivo abre a gravata, mas fecha o casaco, procurando alívio para o gogó, já molhado por um gole de pinga, acompanhado de um golão de chopp. Profissional o rapaz.
O som da rua é maior do que o som do bar. Mesmo assim, todos falam alto antes da próxima rifa. O que será?
Na calçada em frente ao Maneco, um grupo de meninas pára e fica olhando para o interior do bar. Pode entrar, penso eu, mas elas desviam e seguem pela Praça Osório em direção a um novo porto.
O chopp termina, desce outro, mais um cigarro, mais observação em calçadas e automóveis.
Pessoas fazem a curva da Alameda Cabral com semblante carregado.
Idosos param e aguardam a vez para atravessar.
Crianças seguram nas mãos de mães carregadas de sacolas da Pernambucanas. Tudo quase sempre igual. Sacolas para todos os lados dão o ar da compra realizada. Reparo que é dia seis e que o povo saiu às compras.
O chopp me convida a saborear uma empadinha, especial do Stuart.
Não é mais a mesma de 20 anos atrás, mas é boa, de boa qualidade, boa massa.
Um grupo no fundo se anima e riem mais alto do que o normal.
Um deles está noivo e casa no próximo sábado. Estava entrando em férias do serviço e comemorando com os amigos. Noto que não tem nenhuma mulher na mesa comemorando junto. Apenas as que estavam ao redor sorriem para o noivo, anunciado e apontado pelos outros.
O noivo, apresenta aquele ar de feliz, de “bobão’ no bom sentido e toma mais um chopp.
O povo entra e sai, mas todos lentamente, como se fosse combinado. É proibido correr no Stuart.
Reformado, ficou com cara de bar novo, perdendo o charme do antigo, acolhedor e desarrumado, mas querido e estimado até hoje.
Uma mulher com um traje elegante entra e no balcão pede um chopp, em pé. O senhor ao lado oferece um banquinho, que ela educadamente agradece. Mesmo com frio, o chopp é o carro chefe da casa. Um minuto depois, um homem de blaser entra e abraça a mulher bem vestida. Beijos, sorrisos, olham para o relógio, sentam-se na mesa ao lado e começam a conversar, de mãos dadas e sorrindo sempre.
Um dos senhores, aquele do cachecol, apanha o celular, coloca os óculos e não consegue discar para a patroa, que já deve estar agoniada pelo horário próximo das sete da noite.
Disca com dificuldade, grita ao falar, chama a mulher três vezes em voz alta e o bar inteiro fica sabendo que a mulher se chama Erundina. Ele diz que está com o compadre no Stuart tomando a saideira. Tosse mais um pouco, guarda o celular e comenta com o amigo que estas máquinas são todas uma merda. Quando não existiam a gente dava menos satisfação.
Corre a outra rifa e a mulher elegante ganha um peru recheado. Ela não sabe o que fazer, todos batem palmas e ela pede para deixar no gelo enquanto toma o chopp. O homem que está com ela, observa os olhares dos presentes em direção à mulher bem vestida. Até os dois velhinhos atrás de mim ficaram olhando. Realmente, um espécime raro da beleza feminina, sorridente, cabelos pretos, camisa branca e paletó cinza, combinando com a saia igual. Um belo tailleur, feito à mão, com certeza.
Uma porção de bolinhos de bacalhau corre o salão em direção à mesa do noivo, recebendo aplausos de todos os convidados.
Sorrisos, abraços, comemoram a primeira mordida do bolinho com estilo. Este é dos bons, diz um em voz alta.
Eu ali, fumando e bebericando, observando o movimento e anotando detalhes das pessoas. Assim se memoriza melhor. A visão é fotográfica, mas os detalhes de seres humanos devem ser anotados para posterior interpretação.
E assim vai o Stuart. Garçons atenciosos, clientes felizes, gente de paz.
Nenhum incidente, nenhum problema, como deve ser um bom boteco. Ainda bem que ele ainda existe.
Mesmo sozinho, o que poderia parecer deprimente, o ambiente permite análises, divagações, goles que ajudam a engolir pensamentos.
Chamo o garçom, pago minha conta, apanho meu pernil e caminho pela XV, entulhada de gente. O friozinho continua, fecho o zíper da jaqueta, carrego a sacola do pernil e volto para casa.
O chopp deu uma amortecida na tensão.
O caminhar é lento, como quem não tem hora.
Aliás, não tenho mais hora.
O tempo passa de qualquer maneira e eu passo com ele.
Este mesmo tempo que já foi importante, hoje é um mero detalhe.
Acendo mais um cigarro e passo pela Zacarias, rumo à Marechal Floriano.
Na esquina, pessoas aguardam para atravessar enquanto carros passam em agonia, uns empurrando os outros. É a vontade de chegar em casa. Ou chegar a algum lugar.
Caminho. Na esquina da Lourenço Pinto com a André de Barros, jogo o cigarro fora. Na cesta da esquina.
Já em casa, sento no sofá e vejo que o cachorro abana o rabo rapidamente, pula, me agrada.
Animal também faz carinho, por incrível que pareça. Só que também quer carinho.
Assim como eu. E recebo, diariamente, graças a Deus.
E no meio do silêncio e dos pensamentos, a Ouro Verde toca "As Times Goes By". Aí é de encerrar e apagar a luz.
Cai o pano.
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