QUE BOM TER VOCÊ AQUI

Quem escreve, raramente escreve somente para si próprio.
Assim, espero que você leia, goste, curta, comente, opine.
E tem de tudo: de receitas a lamentos; de músicas à frases: de textos longos a objetivos.
Que bom ter você aqui....

sábado, 25 de julho de 2009

A SACADA DA BENTO VIANA

A fina garoa traduz um quadro acolhedor para um sofá
que aninha e protege quem precisa. Teimoso, sento na
cadeira aveludada, na sacada que se apresenta, onze horas
da noite. Em frente, do outro lado da rua, prédios acolhem
pessoas que se preparam para dormir.
Persianas meio abertas, revelam corpos femininos trocando

roupas, vestindo camisolas ou quase nada que pese sobre o corpo. Contornos provocam a imaginação deste que observa,
procurando saber se era ajeitada a donzela, ou não.
Na janela de baixo, a mulher se troca sem cerimônia,

jogando os cabelos longos e loiros para trás, como se eu
não estivesse ali, como se nada e ninguém perturbasse o ato.
Na janela do lado, a criança recebe um beijo do pai e deita-se na cama, sem o black-out fechado, sem a preocupação da cortina

aberta na totalidade.
Contornos circulam no vai e vem do banheiro, no pentear

de cabelos, no escovar de dentes.
Eu, na sacada, dou um gole de cerveja gelada, acendo mais um cigarro e observo. Como dorme cedo este povo....

Mas na verdade, o errado sou eu. Durmo tarde e pouco.
Mas o hábito já criou o monge.
Luzes de abajoures se apagam, carros diminuem a intensidade,

sons da noite invadem a quadra da Bento Vianna, residencial
por excelência, mas que ontem, já abrigou escritórios,
academias, restaurantes e boutiques.
Um som de música vem do posto da esquina, mas nada que atrapalhe.
A cerveja termina, apanho outra, sento novamente na cadeira,

apoio os pés na sacada, acendo outro cigarro.
Meu Deus, ainda morro disso.
Na janela do prédio da frente, maior que as outras, um corpo

aparece na sombra da cortina, fina, parece ser bem fina mesmo.
É uma mulher de silhueta bonita, cabelos compridos,
camisola rente à pele. Imagino como ela é. A curiosidade
traça lances incríveis, corpos inesquecíveis, gestos tentadores.
Não posso vê-la, mas ela sabe que estou ali, pois a sacada

é exposta e quem quer, vê.
O celular dá sinal de mensagem, abro, leio, é mais uma notícia

do dia, enchente em São Paulo. Na seqüência, uma mensagem
bonita de uma mulher que se prepara para deitar, em outra cidade, em outra casa, também com cortinas que saem para a rua.
Aí percebo que alguém, lá na cidade dela, pode estar
espiando como estou. Será?
Não creio, mas admito que seria uma bela vista.
As luzes se apagam por inteiro, as pessoas deitam e dormem.
Fico na sacada e na cadeira aveludada ouvindo os sons da noite.

A fumaça do cigarro descortina imagens de prédios com
luzes que se acendem e se apagam, com almas que se preparam também para dormir. E eu ali. Acordado feito recém nascido,
ligado no que acontece na região.
Curitiba esconde segredos à noite e eu corro atrás deles,

mas nem todos eu descubro. Ou nem todos se revelam.
Segredos são feitos para serem mantidos.
A noite invade a cidade. O silêncio, agora maior, me convida

para ir deitar, após a fileira das cervejas me chamar a atenção
para o consumo.
Chega.
De fato, deu para ficar balão, fumar um monte, pensar outro

monte e aumentar o monte que invade minha cabeça,
todas as noites.
Acredito que deveríamos ser movidos a chip: tirou, pronto.

Deita e dorme.
Na manhã seguinte, coloca e aciona o mecanismo da vida, dos pensamentos, dos sonhos, das ações e realizações, das

mágoas e das frustrações.
Este chip seria trocável a cada 10 anos, apagando o que o

antigo guardasse e abrindo espaços para o novo.
Mas, como ainda não é assim, escovo meus dentes,

lavo meu rosto, vejo que envelheci ainda mais um pouco,
penteio meus cabelos que restam e estão brancos, rezo e
durmo.
Como não lembro o que pensei enquanto dormia,

não escrevo mais.
Amanhã, certamente, tem mais.

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