QUE BOM TER VOCÊ AQUI

Quem escreve, raramente escreve somente para si próprio.
Assim, espero que você leia, goste, curta, comente, opine.
E tem de tudo: de receitas a lamentos; de músicas à frases: de textos longos a objetivos.
Que bom ter você aqui....

quinta-feira, 30 de julho de 2009

RODA DE CANTORIA

Noite alta, estrelas no céu, verão a mil. No bar, mesas unidas formavam o centro.
Ao redor, dois violões, sendo um de sete cordas, um cavaquinho, um pandeiro,
um chocalho, muitas cervejas e copos, cinzeiros e sorrisos.
Eu, no atabaque, acompanhava o mestre do violão, puxando o samba com ele.
Quase tudo ensaiado, não profissionalmente, mas sim pela quantidade de vezes
que tocamos juntos em vários locais.
O atabaque desgastado pelo tempo, mas o couro perfeito, aceitando o toque da
mão direita, enquanto a esquerda marcava o ritmo na madeira.
Um puxa uma música, pede um acorde de violão em lá maior. O violonista faz o dedilhado. Silêncio no bar. As outras mesas se aproximam e o solicitante entra: “Ponha, aquele seu vestido branco, que eu quero derramar meu pranto.......” a música do eterno Lápis.
O coro se forma, baixinho, pianinho, organizado, sem ninguém para gritar ou atrapalhar a cantoria.
Toques suaves no atabaque e o pandeiro chorando ao lado, com o sete cordas
fazendo o dedilhado correto e um compasso marcante.
Mais uma tragada, aplausos, sorrisos, outro gole, mais uma pinguinha e
a noite vai.
Alguém “chama” Caminhos Cruzados e, bem pianinho, a melodia sai perseguindo
a voz excelente do cantador.
Momentos de pensamentos vão longe, imagens, memórias.
Dali a pouco, em lá maior, entro eu: “ a gente briga, diz tantas coisas que não quer......” e o coro vai atrás, sempre de mansinho.
Lá fora, na calçada, o guardador de carros anota todas as músicas, para depois
poder baixar na internet, segundo ele.
O dono do bar serve a todos com um sorriso, não pelo consumo, mas pelo astral do bar. Um bar simples, com mesas de madeira, cadeiras de palha, mandioquinha frita
com bacon, asas de frango a passarinho, um garçom e todos em paz.
Uma menina de seus 28 anos pede fá menor. Silêncio. Ela entra com uma bela voz e solta “ eu sei que vocês vão dizer que é tudo mentira e que não pode ser....”
Lá vai o coro atrás da menina, lindo, perfeito.
Ali estavam pessoas de todos os tipos e eu só sentei porque o violonista era companheiro antigo de madrugadas que se foram. O atabaque estava no carro e daí
a tocar, foi um pulo.
Um senhor de seus 68 anos, fumando e tomando cevejas, pede um tom qualquer e cantarola: “ hoje, eu quero a rosa mais linda que houver....” Coro formado, cantoria solta, emoção no ar. Ele chora, limpa a lágrima e se emociona mais
ainda quando a música termina.
Mais uma cerveja, um viva para o senhor do lado, um abraço da menina da outra
mesa, continua o samba.
Mais uma roda de cantoria do que uma roda de samba.
O horário ficou para trás, o dia amanheceu, o sol saiu, o guardador de carros
entrou e disse tchau para todos, o dono do bar foi fechando as contas e os
últimos goles da “mardita” foram dados.
Na calçada, todos se abraçam e combinam de se encontrar quando desse. Nada
de agendar.
Este tipo de encontro e de noitada, não tem agenda.
Deu liga, espere leiteiro chegar.
Deu liga, cante, se concentre, sonhe, chore, se emocione, viva a magnitude
da música brasileira.
E vá para casa devagarinho, ainda assobiando a última música, que foi:
“ onde você estiver, não se esqueça de mim.....” Aí é covardia.
Recomendo a quem gostar do negócio, que se dedique.
Vale a pena.
E fígado, mais ano, menos ano, a gente manda buscar em Taiwan, pois do
jeito que a coisa vai, logo logo teremos substituto.
Mas coração e alma, só se tem um de cada.
E tem que fazer com que eles vivam.
Esta é a receita.

Um comentário:

  1. Mesa de bar... a criatividade anda, ou melhor, cantarola solta.. muito bom.

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