QUE BOM TER VOCÊ AQUI

Quem escreve, raramente escreve somente para si próprio.
Assim, espero que você leia, goste, curta, comente, opine.
E tem de tudo: de receitas a lamentos; de músicas à frases: de textos longos a objetivos.
Que bom ter você aqui....

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A NOITE

Dia desses, meio perdido, fui visitar a noite.
Antiga companheira de tantas jornadas, lá fui eu em busca de coisas boas, que eram boas e de gente boa. Sim, pois a noite só tem gente boa. Mas vejam que falo A NOITE. Aquela do violão dedilhado, do chopp gelado, do uísque falsificado, mas honesto, da casa acolhedora, de coisas que fazem a noite.
Andei pra lá e pra cá, revisitei lugares que conhecia, fui a novos, voltei para casa somente com a primeira luz do dia aparecendo, como se faz quando se gosta da noite.
E é realmente uma escola.
Primeiro que a noite é um filtro: só passam os bons.
Segundo que a noite é uma escola. Está ali, com professores de todas as espécies, com alunos que fazem questão de reprovar, mas seguem carreira e com pessoas que dão uma olhadinha e nunca mais aparecem.
Esta escola que é a noite se traduz em um código, que somente quem vive a noite conhece.
Um código composto de fidelidade, companheirismo, amizade, sinceridade e uma caixa de Neosaldina para quem precisar, além do próprio dono da caixa.
Este código não admite traição, sacanagem, fofoca, comentários maldosos de amigos, visitantes, mulheres, meninas, garçons, músicos, etc.... Não admite porque todos vivem a noite. Todos estão ali porque gostam ou porque precisam.
Garçons formaram filhos trabalhando na noite. Perderam as mulheres, por certo, mas educaram e formaram filhos. Formaram amigos, formaram turmas, formaram parcerias que, vez por outra, são usadas para papear.
Na noite você sempre encontrará um ombro amigo. Seja ele ou seja ela, mas sempre um ombro poderá lhe dar o apoio necessário para chorar um amor perdido, uma transa que deu errado, um porre que se aproxima, um silêncio na companhia de alguém.
No antigo Bar do Nilo, ainda na Mateus Leme, várias noites somente vi e observei centenas de pessoas que ali se desligavam do mundo. Era como tirar o chip e beber sem culpa. O som do violão, a voz da Leninha e o ambiente propício, permitiam desligar o mundo lá de fora e viver o mundo daquele lugar. E era um excelente lugar. Completamente diferente do Bar do Nilo de hoje, mas era especial.
Ali, sentados em uma mesa do lado do palquinho, eu e amigos bebemoramos várias ocasiões, fizemos cantorias de todos os tipos, lembramos de mulheres de todas as épocas, ajudamos a fechar a casa quando a vida se abria aqui fora.
O porre não era tão doído assim, pois ainda tínhamos capacidade física para tudo isto e ir trabalhar às oito e meia. E íamos.
Mas voltando para quem gosta da noite, é um caso a ser analisado mesmo.
A de ontem em comparação à de hoje, não dá mais para comparar.
Hoje convivemos com violência e perigo, quando em épocas passadas, nada disto havia.
Amigos saíam das redações dos jornais meio tarde e iam comer um filé no Bife Sujo ou no Bar Palácio, ainda na Barão do Rio Branco, sem problemas.
Cantores de serenatas, pagos ou não, também.
Andava-se a pé pela cidade com um violão no ombro ou um atabaque nas costas e nada acontecia de ruim.
Andava-se cambaleando pelo meio-fio e nada era prejudicial.
Dá até para pensar que a bebida era mais séria e leve do que a de hoje.
Vi casos na noite que se tornaram lendas, mas não tenho autorização dos envolvidos para comentar. Aliás, casos de terceiros não se comenta.
Mas foram uniões abençoadas pela fidelidade e pela parceria que a noite permite.
Quem é boêmio de sangue, sabe do que estou falando.
Cigarro emprestado, uma dose a mais na conta do amigo, uma pizza no palito rachada em quatro, tudo para que sempre a hora se prolongasse e a manhã seguinte não chegasse.
Eu e meu amigo Werner sempre fomos partidários do início ao fim, isto é, começou a noitada da boemia, vai até o final.
Eu e meu amigo Marco Heller, também. Do início ao fim.
Eu e meu compadre Marco Bassetti, também. Aliás, iniciamos quase ao mesmo tempo esta história de boemia. E sempre foi muito bom.
A noite é uma prática de vida e a boemia um estilo de vida.
Dizem os antigos que nunca acaba bem quem vive só na noite, mas aí, não existe quem viva só na noite. O dia também merece atenção.
Pelo menos para pensar e repensar o que aconteceu ontem à noite.
De qualquer forma, um brinde aos boêmios de hoje, aos verdadeiros, que ainda fazem da noite uma esperança de viver um mundo melhor, com Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa, Vinicius de Moraes, Cartola, Dolores Duran e mais alguns que só escreveram músicas lindas porque viveram o que transformaram em texto.
Aliás, só escreve coisa linda em música, quem viveu o que você hoje canta.
Pode confirmar.
E a noite, esta sim, ainda vai abrigar centenas de almas que irão se identificar com ela, viver com ela e para ela, passar um tempo nela e depois, quase sem fígado, lembrar dela.
Salve a noite.

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