QUE BOM TER VOCÊ AQUI

Quem escreve, raramente escreve somente para si próprio.
Assim, espero que você leia, goste, curta, comente, opine.
E tem de tudo: de receitas a lamentos; de músicas à frases: de textos longos a objetivos.
Que bom ter você aqui....

domingo, 12 de julho de 2009

A FILA


As pessoas correm pelas ruas em direção às suas casas e aos seus destinos.
Rostos que se confundem nas filas dos ônibus, ansiosos para chegar,
ou para partir, não se sabe para onde, mas para algum lugar que eles
já programaram. Ou para o destino do ônibus.
No rosto da mulher madura, o filho no colo que brinca com o brinco e a
vontade de se ver livre daquele tumulto todo, incluindo o filho.
Gotas de suor escorrem pela testa daquela mãe que,
no “feriado do dia 30 de dezembro” saiu para passear com a criança.
E se arrependeu disto. Ao menos, é o que demonstra o olhar dela.
Logo atrás, o homem de 40 anos não desliga o celular enquanto a fila anda,
ao menos um pouco, na metade da quadra que leva ao tubo do Colombo-Cic.
Ele fala, murmura, sorri, olha para o relógio, fala de novo, sorri
mais uma vez e caminha lentamente para o tubo da salvação.
Pelo jeito, armado está.
Na seqüência, a crente se abana com o calor que toma seu corpo
incentivado pelos cabelos longos, para baixo da cintura.
Enquanto se abana, ora, ora, ora.
Ali está sua salvação, aleluia, Deus seja louvado e outras palavras que ela
acabara de ouvir na igreja ali pertinho. As pessoas olham para ela, mas nada falam.
Deixe que ela que ore, ore, ore, pois assim ela se sente melhor.
Quase na entrada do tubo, um “mano” só observa.
Escolhe a vítima para levar alguma coisa lá dentro do ônibus.
Fones de ouvido ligados, a bermuda que cabem 2 manos, o tênis desamarrado,
novinho em folha( foi de natal????), a ginga da turma que freqüenta
o Estação aos domingos. Boné virado, camisão azul mais largo, o tipo.
O “mano que é mano”.
Na ponta da fila, uma senhora com 5 crianças ao redor, que correm, que gritam,
que comem, que se lambuzam, que se sujam, que caem , que se levantam,
que vivem a vida como se a fila fosse uma atração naquela hora do dia,
naquele calor da tarde, naquela paciência da mãe-tia-avó-amiga-vizinha.
Nos braços, sacolas das Pernambucanas, dedos de crianças presos
de qualquer jeito, gritos para que tomem cuidados, carros que passam rente
ao meio-fio, olhar de 360 graus com o cuidado necessário,
mas não efetivo para com as crianças.
O ônibus chega, pára, abrem-se as portas e o que se vê é uma selvageria.
Gente empurrando gente, em menos de um minuto a porta fecha
e o ônibus vai em direção à CIC.
A fila continua grande, chegam mais pessoas da grande Curitiba,
todas com um diferencial a ser notado.
Eu, postado na esquina da pastelaria, bebo mais uma cerveja,
em homenagem às saudades que me atingem, em homenagem
aos rostos que vejo e tento traçar algum comparativo.
A mocinha de terninho azul marinho revela que é empregada de uma
empresa que usa uniforme. Ela está na fila, com o caderno e a pasta
abraçados junto aos seios, que por sinal, são lindos, assim como o
quadril, as pernas, o rosto.
Um banho de loja seria interessante na menina. Deve ter seus 22 anos,
quase isso, mas o olhar revela uma distância muito grande daquele que está
ao seu redor. E poderia ser minha filha também. Mudo o pensamento. Correndo.
Gente e mais gente na fila, cheiro de pastel frito, cheiro de pipoca com bacon,
uma cozinha ao ar livre, na fila que é a última esperança dos cozinheiros de rua.
E eu ali, bebendo a cerveja no bar na esquina, chamado em Belo Horizonte, de cú sujo.
Entra um de terno, pede um pastel frito na hora. Aí a coisa vai pro brejo.
Cerveja, cigarro, observação e o cheiro do pastel coreano frito na hora.
Quase falo pro cara que aquele azeite é de janeiro de 2008. Tá na hora de trocar.
Volto o olhar para a rua.
Uma gordacha com o uniforme do Diretran(aliás, quase todas são gordas),
anota a placa de um carro que passou no sinal vermelho.
O motorista de táxi, abre as portas para uma família de sete pessoas e
15 sacolas para levar a todos não se sabe para onde, mas pela animação,
é pra bem longe.
Na fila, o mano já embarcou, a menina bonitinha está quase na entrada
do tubo e chegam mais pessoas curitibanas, dignas de serem analisadas.
A irmã da Lady Katie entra na fila. Calça corsário, sandália branca de salto 25,
mini blusa no peito, cabelos longos com chapinhas por todo o canto,
maquiagem de quem vai a um baile – em pleno final de tarde -, batom mais vermelho que a menstruação dela, anéis pelos dedos e pulseiras mil. Sorrindo, piscando,
falando no celular Motorola não se sabe com quem, mas pela altura da voz,
não precisaria de celular.
Atrás dela, um homem de terno preto, camisa branca, gravata preta,
brilhantina nos cabelos, bíblia na mão, óculos de 8 graus cada lente, só observa.
Eu, de longe, tomando a cerveja imagino se ele tivesse a chance de
colocar as mãos na perua da CIC. Seria o sonho dele, como revela o
olhar lançado para uma bunda presa na corsário jeans e os seios caindo para
fora da mini blusa.
A fila anda. Pouco, mas anda.
A senhora dos 5 filhos embarca, mas um fica.
Choradeira, gritaria, o policial militar que passava pelo local atende.
E fica com a criança. Pelo celular, chama a viatura que coloca a criança a
bordo e vão atrás do ônibus, que saiu como chegou: rápido demais.
O rosto do motorista não precisava de intérprete: saco cheio.
Outra cerveja, mais um cigarro, uma hora de observação me levam a
ficar triste com o que vejo.
Mas triste por quê????
As pessoas estão felizes, esta é a realidade delas, todos se ajeitam como podem,
sorriem, oram, falam sozinhas, usam os celulares, olham umas para as outras,
pensam, imaginam, sonham.
Triste pelo fato de não caberem todos no ônibus?
Triste por não entender completamente o que são estas pessoas e como elas vivem?
Não.
Sei como elas vivem e acompanho a vida delas.
Ando de ônibus diariamente na cidade e tenho intimidade com qualquer
tipo de gente.
Decido pagar as cervejas e ir caminhando para minha casa.
Final de dia.
Um feriado postiço que agradou muita gente. Inclusive a mim.
Meio devagar, chego em casa.
Analiso, penso, separo tipos, abro outra cerveja e descubro que estou triste.
Sozinho, na sala, abro o computador e vejo que não tenho notícias.
Aliás, não terei.
Assim foi dito.
Assim foi feito.
Assim será.
O negócio é olhar as pessoas. Quem sabe, na próxima fila, a menina do uniforme me olhe. Aí começa tudo de novo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário