E chega a madrugada.
De tão mansa, parece aquela antiga amiga que chega, senta,
fica olhando e esperando que a gente fale algo.
Como é íntima e da casa, ela só chega.
Chega e fica.
E com ela, tudo que lhe é peculiar, mas que dificilmente irá se alterar.
Carros com som no último volume - e com músicas questionáveis de gosto -, bêbados a pé cantando e falando alto, quando não discutindo,
prostitutas a pé meio de mal com a vida, prostitutas de carro, com a vida resolvida, maquiadas, impecáveis, lindas, satisfeitas com uma
bela macarronada de minutos atrás.
A madrugada guarda segredos, mas quem os viveu, reconhece-os de longe.
Na esquina, o moto-boy ainda passa voando para entregar a pizza para algum atrasado, mas com fome. Pela velocidade, a pizza chegará em formato de pastéizinhos, visto os balanços da rua.
Raramente, um carro do Diretran passa lentamente. Fazendo o quê?????
O negócio deles é durante o dia, multas para celulares e multas por falta
de Estar. De resto, nada mais.
Nenhuma orientação, nenhuma solução para nosso trânsito cada vez
mais de primeiro mundo. E vá fundo.
A ambulância do Siate passa com a sirene ligada e em alta velocidade.
De tão comum, acho que este som já faz parte da minha vida, assim
como quem mora perto da linha do trem, alí pelo alto da Souza Naves
e ouve, diariamente, aquele apito. Todos dizem: acostuma.
E aí está o erro. Não devemos nos acostumar com o que não é certo.
O trem apitar é uma necessidade, mas o trem passar por alí é uma fatalidade.
Na calçada, um casal sai do Bar Palácio e começa uma discussão feia,
ao lado do carro. Ela grita mais do que ele, mas não parecem embriagados.
De repente, ele empurra a mulher, entra no carro e liga o motor.
Ela se coloca em frente ao carro e grita: vem, passa por cima....
vamos ver se você tem coragem.
O guardador de carros, assustado, vai até ela e ele acelera insistentemente
o carro. A vizinhança vai para a janela, pois como não bastasse a gritaria,
o barulho do motor é infernal.
Ele desliga, ela entra no carro, todos na expectativa.
Ele liga o carro, sai devagarinho e somem pela André de Barros.
Nós, na janela, imaginamos de tudo.
Quem sabe ela teve que pagar a conta e ficou braba? Não.
Muitas mulheres pagam contas e ficam felizes ao verem a felicidade
dos seus homens.
E muitos homens pagam as contas e ficam felizes ao verem a felicidade
de suas mulheres.
E no caso do Bar Palácio, de madrugada, bota mulheres nisso.
Um homem pedala a bicicleta cheia de Gazeta do Povo, que já saiu às
seis da tarde do sábado, e ele leva para algum lugar na madrugada
do domingo.
Se o governador falecer às cinco da tarde de sábado, a Gazeta não publicará.
Ela já estará circulando o jornal de domingo.
Alguém me explica?
Um carro da PM passa lentamente e com o giroscópio ligado.
De tão lento, dá para ver o motorista olhando para os lados e o
companheiro também. Menos mal.
Alguns ônibus da LInha Verde cruzam a André de Barros em velocidade
superior à normal, mesmo de madrugada. Ainda vai dar merda esta
esquina da Lourenço Pinto com a André de Barros.
A Ouro Verde Fm toca Rod Stewart com Have i told you lately, linda música.
Minutos de silêncio na rua permitem que ela seja ouvida.
Olhos fechados, vts passando, lembranças boas de um tempo ausente.
Na janela, a fumaça do cigarro nubla a visão de uma noite meio fria,
mas sem chuva. Por enquanto.
Olho para todos os lados e sempre vejo coisas.
Luzes que acendem e apagam.
Carros que aceleram e freiam como imbecis no sinal vermelho.
Gente a pé, gente correndo, gente de bicicleta.
O que leva um ser humano a usar a bicicleta às duas da manhã?
É o meio de transporte do cara, porra.
Passa um grupo de "manos" a pé e falando em voz alta.
Que linguagem linda de ser ouvida.
Mereceria um tratado da língua portuguesa.
O que mais ouço é o "tá ligado?"
Aliás, tá ligado é uma boa pergunta para a Ação Social da Prefeitura
para agirem rapidinho em frente à Igreja do Bom Jesus, na Praça da Santa Casa. Seja qual for o horário, tem centenas de mendigos, cheiradores de cola, assaltantes, mulheres, meninas, tudo que é tipo de gente e preocupa
demais os pedestres e também alguns motoristas.
Lembra do tempo em que se andava de janela aberta e podia-se cumprimentar conhecidos?
Hoje é só janela erguida, insulfilm, alarme, bazucas e defesa.
A rua se acalma.
Parece que a noite vai entrando naquela fase da calmaria e aonde
aumenta o perigo. Bêbados e descontrolados passam a andar mais.
A estas horas, as moças da noite já estão trabalhando e não precisam mais desfilar em seus carros para pescar alguma coisa.
Mesmo depois de jantares pagos por terceiros e macarronadas abundantes.
O Gato Preto deve estar iniciando seu movimento, com aquela sopa que todo mundo gosta, e já virou rotina para centenas de boemios e embriagados
que alí fazem seu último ponto.
Bares e casas da moda estão cheios, servindo tudo que é bebida e algum
tipo de droga por baixo do pano, mas não pode fumar.
Tem lógica?
O bêbado ao lado pode falar o que quiser para a mulher que está contigo,
mas você não pode fumar. Em nome da saúde de todos.
E alguém quer fazer alguma lei em nome da educação de muitos?
O que se nota, é que tanto homens quanto mulheres, mesmo em casas
da moda, barzinhos com música e etc....estes que não tomaram chá em
colher de prata, serão sempre os inconvenientes. Pena.
Educados também bebem, mas não são inconvenientes para com terceiros.
Quem está sozinho na noite não deve ficar tentando roubar a pessoa que
está acompanhada de alguém e nem se oferecendo para papear, agradar, massagear, enfim, empatar a vida de quem não está a fim. A não ser
que alguém dê chance. Aí, pena para quem dança.
Mas gente é gente.
Tem de tudo na noite.
E assim será por muitos anos.
E eu, da janela vou analisando de tudo, um pouco.
Cigarrinho, música e cervejinha me permitem analisar, concluir
um pouco e escrever outro pouco.
A noite é sempre um convite para análise, apesar dos perigos que
ela esconde.
E eu, como sempre, sei dos perigos e de vez em quando, circulo por aí.
E o que vejo, em alguns lugares, não é nada bom.
Mas assim a vida segue.
E nós seguimos com ela.
E muita gente fica nas janelas observando, analisando, pensando.
Algumas até, sonhando.
Isto sim, vale a vida.
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