O balcão era de madeira pesada, comprido, com banquetas de
assento em couro, estilo inglês mesmo, com apoiador de pés dourado.
O atendimento era impecável, tendo no comando um maitre cearense, conhecedor de tudo da clientela. E sempre sorrindo.
O piano, de cauda, era fantástico, do som ao posicionamento,
tendo ao lado um baixo de cordas e uma bateria suave.
Na parede, uma arandela inglesa dava o toque da penumbra honesta.
Os músicos, então, perfeitos, tendo na voz da cantora um toque de
Janis Joplin cantando bossa nova.
A fumaça do ambiente era parte da decoração, onde todos de terno
e gravatas já abertas admiravam mulheres de saias ainda fechadas.
Aperitivos de virar a cabeça e satisfazer paladares exigentes.
Aquilo começava às 18 horas e ia até as 06 horas, quando o leiteiro
passava para dar um oi, mas jamais para deixar o leite.
Ler a Folha em primeira mão, era na saída do bar.
Uísque era Old Parr, em copo alto, gelo e um toque de água mineral Perrier.
O pianista era quem puxava as músicas, num toque sutil de um teclado de sonhos, onde suas mãos deslizavam suavemente pelos acordes
de Tom Jobim ou Stevie Wonder, sempre acompanhado pela voz de
veludo do próprio.
Insensatez, de Jobim, era o carro chefe.
Tão linda quanto cantada pela Gal Costa.
O garçom de nossa mesa era sempre o mesmo, mas todos o chamavam de capitão nordestino, com aquela cabecinha famosa de bater bife.
Mas era o rei dos caras.
Lá pelas onze da noite, batia a fome pesada, mas nos fundos,
atrás do piano, um amplo e bem decorado salão fazia as vezes de restaurante.
E que restaurante.
Um maitre e um chef atendiam seu pedido com explicações sobre
os pratos e alterações que você pedisse.
Um mignon ao poivre era dos céus, assim como um camarão ao curry.
Tudo acompanhado do uísque das 18hs ou de um bom vinho, de uma carta especial e completa.
E depois de tudo isto, o ruim era ir embora.
Não sem antes tomar um Tia Maria na sala do piano, já mais vazia,
tendo somente o pianista dedilhando notas a esmo, mas brilhantes,
que formavam uma melodia.
Uma noite, toquei enquanto ele jantava, perto das cinco da manhã.
Não como ele, mas ele gostou.
Nesta madrugada, ele dedilhou a música Outra Vez, de Isolda.
Foi de matar o pensamento, a lembrança, tudo.
E na sequência, As Time Goes By, com suavidade, com dedos iguais ao do Sam.
Ao chegar no hotel, uma certa revolta pela noite ter terminado.
Na cama, saudades do bar, do atendimento, das mulheres lindas
e executivas, donzelas e mazelas da noite de São Paulo.
Saudades do David Piano Bar.
Igual a este, difícil.
Momentos como os que eu vivi lá, nunca mais.
Boemia sadia.
Noitadas organizadas.
Companhia sempre boa, amigos e conhecidos, gente que gostava do lugar.
E tudo isto, quando a saúde ajudava e a gente ainda tinha ressaca.
Hoje, se repetir igualzinho a ontem, ficaremos de cama.
Mas assim é para quem gosta da noite.
E se tiver bossa nova ou MPB, foi-se o boi com a corda.
Histórias como esta, existem muitas.
Mas só para quem sabe viver a noite, apreciar o que ela revela e para quem entende o que quer dizer vida.
E tudo, ao som de Tom Jobim, de Wave, de Vinicius, de Cartola.
Suavidade para a vida.
A vida de quem sabe o que quer dizer Vida.
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