QUE BOM TER VOCÊ AQUI

Quem escreve, raramente escreve somente para si próprio.
Assim, espero que você leia, goste, curta, comente, opine.
E tem de tudo: de receitas a lamentos; de músicas à frases: de textos longos a objetivos.
Que bom ter você aqui....

terça-feira, 18 de agosto de 2009

DONA ESMERALDA

E eis que começa o dia e chega dona Esmeralda, faceira e sorridente,
perto das sete da manhã. Sorrindo como sempre, já chega deixando a
sacola no banheirinho e coloca o lenço na cabeça, prendendo os cabelos
negros, lenço este, fiel companheiro de tantas jornadas como diarista
de dezenas de casas e apartamentos desta grande Curitiba.
Eu, tomando um café e lendo jornal, apesar do horário, causo espanto
para ela e ela sempre me pergunta: o senhor já acordou ou ta indo deitar agora?, com aquele ar de deboche que toda a diarista simpática tem.
Digo pra ela que acordei cedo pois tenho muito trabalho para fazer e
quanto mais cedo, melhor.
Ela olha de canto, já com a caneca de café na mão e me olha com ar de mãe, dizendo que minhas idéias saem com mais facilidade pela manhã.
Vai lá seu Costa e escreve um texto bonito como aquele do dia dos pais,
que tocou na rádio. Eu e minhas filhas ouvimos, em respeito ao senhor,
porque o pai delas é um vagabundo, cachaceiro que nos largou em 2001.
Digo eu para ela que não é bem assim e que ela deveria entender a posição
do seu Osvaldo. Ela disse que não entende nem a pau, principalmente
porque ele era um Bêbido, um arcoólatra inveterado e só queria saber de
ficar no bar da Vila Lindóia até cair. Isto quando não mexia com as menina da vila. Que vergonha, seu Costa. Ele mexeu até com a sobrinha dele, mas levou um chega pra lá da menina e afastou-se dela. Ficava agradando as perna da moça
até que um dia a moça percebeu que tinha algo errado, mesmo com 10 anos de idade.
Pergunto se ela está mal de vida e ela abre os olhos dizendo que não.
Trabalha feito uma louca de segunda à sexta, das sete às cinco e meia e
não tem patroa que reclame do serviço dela.
Digo para dona Esmeralda que ela toque a vida e esqueça o passado.
Ela me diz que tenho razão, até porque uma fia já é psicóloga da empresa murtinacionar e a outra já ta no terceiro ano de administração,
na federal, claro.
E lá vai ela começar seu trabalho, juntando seus apetrechos e saindo da copa.
Termino meu café e abro a janela da sala, para que entre o sol e o ar gostoso
de mais uma manhã típica curitibana. Esmeralda me olha e diz já vai
fumar, seu Costa. Digo que é um hábito e um vício e que não consegui
largar como pretendia. A vida mudou e o cigarro ficou companheiro
nas horas mais difíceis. Ela ri e diz que eu sou um frouxo, que não tenho
peito pra largar esta merda e que vou morrer disto. E o senhor que não
me espere no seu velório, a não ser que o senhor morra de outra coisa.
Aí, eu vou lá lhe dar um abraço de saideira.
Digo para Esmeralda que a vida ainda me reserva alguma coisa boa,
e ela só fica olhando de canto de olho. Pensando, ela diz que agora que
a gripe já passou, a vida volta ao normal. Hoje mesmo o ônibus tava
cheiinho e dei uma bronca num véio lá que começou a tossir dentro do ônibus. Disse pra ele por a cara na janela e deixar a gente respirar ar puro.
O véio ficou me oiando, mas mandei ele se dependurar na janela e pronto.
As pessoas gostaram, seu Costa.
Disse pra ela que ela fez bem, mas tinha que ver o que era a tosse do véio.
Ela disse que quem tá doente, não pode sair de casa. Lá na Vila é assim.
Tá gripado, some daqui cabra da peste.
E lá foi Esmeralda limpar a casa, impecável como sempre, sabedora de
seu ofício como poucas, faladeira de tudo e conhecedora de tudo e
mais um pouco.
Lá pela hora do almoço, eu ouvindo música bem baixinho e escrevendo
meus trabalhos, ela entra no escritório, se apóia na beirada da porta,
ajeita o lenço da cabeça e me diz, com ar de serenidade:
estas música ainda vão acaba com o senhor. Toca alguma coisa mais alegre,
seu Costa. Digo para ela que isto me faz bem e penso melhor com músicas
mais tranqüilas. Ela coça o queixo, me olha de novo e diz: ta certo.
O senhor vive em função do sentimento. Lhe conheço, seu Costa.
O senhor ainda vai sofrer muito na vida. Digo para ela que não mais.
Encerrei as atividades que me trouxeram dor e que agora, era viver em
paz e cuidar da família.
Ela olhou, piscou e me disse, tranqüila: sua família ta indo embora, seu Costa.
Vai ficar o senhor e a dona Bethy. Já já o Miguel se encaminha e larga doceis.
O senhor ainda vai morar em Guaratuba e eu vou ter que ir lá fazer faxina,
todo o sábado para voltar no domingo. Né seu Costa?
Eu digo que sim, que seria uma alegria ela ir até lá. E que eu faria uma
caldeirada para ela aproveitar a viagem.
Ela bate na barriga, me olha e fala: eu vou mesmo, até sem caldeirada.
O senhor é gente que eu quero muito bem. E a sua casa dá gosto de arrumar. Quase tudo fica arrumado, no lugar, parece que ninguém usa nada.
Aí é mais fácil, né seu Costa!
E Esmeralda toca seu serviço dentro do jeito que ela sabe e gosta.
Na hora do almoço, senta, come, não fala, reza, lava a louça e recomeça.
Perto das cinco horas liga do celular dela, fala com a filha, dá as ordens para o lanche da noite e volta a terminar o serviço.
Saio, volto e sento no sofá da sala, ouvindo uma música no fim do dia.
Ela entra na sala, me olha e diz novamente que aquelas músicas vão me matar.
E lá se vai dona Esmeralda, a fiel diarista, firme e decidida, sabedora de seus afazeres e uma pessoa de bem. Braba, determinada, de índole boa e
cumpridora de seus horários.
Vou com ela até a porta, ela me abraça e diz: fique com Deus, seu Costa.
E até a semana que vem.
Qualquer coisa, o senhor me liga. E muda essas música aí.
Semana que vem, vou trazer um Cd do Rick e Renner pro senhor trabalhar
mais alegre.
Dou um beijo na Esmeralda e ela se vai.
Volto para a sala, sento no sofá, acendo um cigarro e começo a achar
que Lembra de Mim, do Ivan Lins, é meio triste mesmo.
Levanto, mudo o Cd e coloco uma coletânea da Donna Summer.
Mata a saudade e anima um pouco.
Assim termina o dia, preparando a noite que ainda é segredo, mas que
não deverá trazer nada de novo.
Como sempre. E eu fico pensando se Esmeralda não tem razão.
Estas músicas ainda vão acabar comigo.

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