Verinha já estava se acostumando com 22 dias sem aula.
A galera toda em casa, cada um na sua com os pais pegando no pé por
causa da gripe. Segurança que cortou shoppings, baladas, encontros.
Só que, de repente, Verinha começou a prestar atenção a uma série de coisas.
Ao invés de ficar de cara fechada, começou a participar mais da vida dos
pais e do irmão menor. Ela, com 14 anos, achava tudo aquilo um saco.
Desde cedo a empregada limpando a casa, arrumando as camas, o irmãozinho
com aquela porra daquele vídeo game ligado no volume alto, o pai fumando no escritório desde cedo, a mãe andando pra lá e pra cá, tudo um saco, uma
merda ter que ficar em casa por causa de um vírus e da incompetência da
saúde federal, ao menos foi isto que ela ouviu de comentários.
Mas, Verinha começou a notar e a mudar certos hábitos.
De repente, numa manhã, Verinha sentou-se com o irmãozinho e começou
a jogar com ele, passando a manhã toda se divertindo e o irmão mais
feliz do que ela.
Noutro dia, logo cedo, foi com a mãe ao supermercado e viu como era legal
fazer as compras da casa e para o almoço daquele dia. Ajudou a mãe a carregar as sacolas do carro para a cozinha e ainda sugeriu que fizesse aquele bife
na manteiga, igual ao da avó. A mãe, feliz por ouvir aquilo, concordou.
No sábado, ao invés de levantar perto de meio dia, Verinha levantou nove
horas, tomou café com os pais e foi com o pai ao mercado municipal, como
ele fazia todos os sábados pela manhã. Achou tudo um barato, um monte de
coisas novas, gente organizada, barracas com frutas de fazer inveja, a casa de massas com tentações à mostra, a área de alimentação preparando-se para
receber centenas de pessoas, com música ao vivo e tudo o mais.
Verinha pediu para o pai comprar algumas coisas e ele prontamente atendeu.
Também para ele era tudo novidade. A filha de 14 anos ao lado dele,
no mercado, em pleno sábado pela manhã.
À tarde, Verinha chamou sua amiga Cris e fizeram uma bela salada de
frutas com chantilly. Sentaram na copa, comeram à vontade e Verinha ainda
chamou o irmãozinho para provar a salada de frutas que ela havia preparado.
À noite, concordou em ir com os pais comer uma pizza, fato novo em sua vida de adolescente. Adorou o lugar, cantou com os pais as músicas italianas da noite, elogiou a pizza, recebeu uma piscadinha do garçom na hora da saída e
foi para casa mais feliz do que imaginava.
No domingo pela manhã, se arrumou e foi com os pais à missa das onze, fato tradicional para os pais desde que eram namorados. Ela não entendeu muito
bem o que acontecia, mas seguiu o folheto e acompanhou todos os movimentos
e falas do padre. Na hora da comunhão, perguntou se podia comungar e a mãe
disse que sim, assustada com a atitude.
Domingo no almoço, lá foi ela com os pais para a casa dos tios, este sim um
fato inédito. Ela achava todo mundo um saco, só gente chata no almoço de domingo, com macarrão e frango assado, maionese e gritaria. Mas, em lá chegando,
causou surpresa a todos e recebeu um abraço carinhoso e apertado da tia,
dona da casa, bem como do tio, irmão do pai, um a cara do outro.
Comeu, cantou e ainda ajudou a lavar a louça com a família na cozinha,
enquanto os homens ficavam no terraço tomando café e grapa italiana.
Adorou o domingo ,saindo de lá somente às seis da tarde para voltar para casa,
junto com os pais e o irmãozinho.
O celular, nem lembrava que existia, tanto é que somente viu as mensagens e
as chamadas, quando chegou da casa da avó.
Realmente, aqueles 22 dias tinham mudado sua vida.
Conceitos, gestos, pensamentos, atitudes, hábitos.
De repente, passou a achar o pai um barato, começou a entender no que ele
trabalhava e como ele fazia para sustentar a casa.
Começou a dar mais valor para mãe, vendo as atividades de uma dona de casa
com um filho pequeno e uma aborrescente pé no saco, o dia todo, que era ela.
Notou que a mãe, mesmo atarefada e ocupada, sempre tinha tempo para falar
com o pai ao telefone ou dar um cheirinho no escritório da casa.
E a empregada, antes uma metida e chata, passou a ser mais amiga, comentar
coisas que ela nem sonhava que a empregada sabia. Ficaram amigas depois da gripe.
E o irmãozinho, a quem ela chamava de pentelho mor, passou a ser um bom
companheiro e ela começou a auxiliar o mano nas lições de casa, mesmo em férias colegiais, mas foi ensinando caligrafia para ele. E os jogos de vídeo-game
começaram a aparecer no placar da sala. E ela estava chegando lá.
Com o vírus, a galera se afastou um pouco, as saídas diminuíram e os
telefonemas também. Sobravam créditos no celular e Verinha começou a entender
melhor a vida de sua própria casa.
No retorno às aulas, percebeu que não foi só ela que mudara um pouco,
mas muitas das amigas também.
E com isso, encarou a vida de uma forma diferente, assumindo publicamente
que seus pais eram um barato e que sua casa, ao contrário do que dizia antes,
não tinha nada de sacal. Aliás, nunca havia sido sacal. Ela era o saco.
Ela era a chata.
Nada mal que um vírus perigoso ao extremo possa ter trazido o bem em algumas situações.
Só voce Costa pra enxergar algo bom numa situação caótica e perigosa..... e é assim que tem que ser, mas poideria ter diminuido mais as saidas não acha estar faltando um pouco de autoridade e rigor ? Escolas fechadas mas as baladas , bares e restaurantes (Lazer ) abertos ao público? epior cheios de pessoas....... Beijo grande. RHooo
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