CHORO LUSITANO

Eis que me pego a olhar pela janela.
Esta mesma janela por onde te vi passar.
E nada me restou a não ser olhar.
Olhar e ver tantas coisas que tu me ensinastes.
Quando eu achava que tudo era vazio, me destes a mão e levantei-me.
Quando eu via tudo indo para o mar,
desviastes o rio, e consegui ancorar.
Quando senti teu abraço colado em meu corpo,
senti que vida existia e o coração, mesmo apodrecido, ainda batia.
Tu que me tirastes do fundo do poço,
mesmo cansado, ainda moço.
Tu que me permitistes sentir teu cheiro à beira-mar.
Tu que me confundistes com o perfume do verbo amar.
Tu que me levastes pelas calçadas, me ajudastes a cruzar a rua,
me deixastes sentado na poltrona, enquanto ficavas nua.
Tu que me acolhestes com um sorriso,
que me destes de comer
e não permitistes que perdesse o juízo.
Logo tu, que me destes o amor em sua forma mais real,
que me alimentastes com palavras do bem e não do mal.
Logo tu, que me ligastes dizendo palavras de carinho,
que me fizestes crer não ser mais um menininho,
que me mostrastes que com isso, ainda era eu.
Só que tu sabias que eu já era teu.
Tu que me mostrastes os lados do mundo, da vida, do querer.
Tu que me trouxestes na cama, o amor, o prazer.
Logo tu, que depois de tudo isto, me abandonastes.
Me deixastes. Te afastastes.
Viste como és uma grande filha da puta?
Logo tu, por quem decidi ir à luta.
Logo tu, por quem realizei sonhos e estava pronto para
vivê-los.
E hoje, ao ver que o que me cabe, é saber que todos,
vamos perdê-los.
Mas valeu tudo o que fizestes.
Mesmo aquilo que não propusestes
ainda sigo a perseguir.
Se vou conseguir?
Me parece que não mais.
Mas só para lembrar-te:
assim, não se faz.