QUE BOM TER VOCÊ AQUI

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domingo, 30 de maio de 2010

A PRIMEIRA MADRUGADA

O cansaço era mais forte que o sorriso, ainda mais naquelas altas horas da madrugada. A sandália assassina do salto 10 já havia voado para longe, ainda na sala, deixando o corpo cair no sofá pouco usado, mas que agora era uma benção para receber o corpo morto, arreado. O silêncio do apartamento deixava aparecer os ecos da festa que terminara meia hora atrás.
Sorriso leve no rosto, mas misturado com o salgado da lágrima que brotou junto com ele.
Uma lágrima de saudade e de medo do silêncio.
Depois de tantos anos, ela estava sozinha no apartamento antes dividido com a filha, que agora estava casada e iniciava a vida dela.
E ela, como mãe, ao lado da filha em todos os momentos, apoiou a idéia e torceu, desde o primeiro minuto, para a felicidade da filha e do genro.
Meu Deus, pensou ela, foi tudo muito rápido.
Ainda ontem a filha tinha 15 anos, era uma boneca e tinha a vida pela frente.
A parede do apartamento recebia uma foto das duas juntas e ela ficou olhando para a filha, ainda pequena, agora mulher, esposa, profissional de renome e dona da vida que ela escolhera, sem palpites da mãe.
Levantou-se vagarosamente, caminhou pela sala, passou o dedo na foto da filha, limpou mais uma lágrima e foi para o quarto.
No quarto que era da filha, o aperto tomou conta do peito, com armários já vazios, sapateiras vazias, escrivaninha vazia, espaço do computador vazio, bicho de estimação ausente, tudo limpo e arrumado, sem a filha, que agora arrumara a casa dela.
Um aperto na garganta, um choro baixinho, uma sensação de vazio e de solidão, apesar da felicidade.
A madrugada silenciosa no cruzamento barulhento, mostrava apenas o cruzamento do vazio dela pela ausência da filha com mais uma etapa a vencer na vida, sozinha desta vez.
Tirou o lindo vestido, abriu o chuveiro, deixou que a água lavasse a saudade e fechou os olhos.
Depois de meia hora, arrumou-se, deitou-se na cama e apagou a luz.
No escuro, rezou pela filha e pelo genro, rezou por ela, pediu a Deus que não a abandonasse e fechou os olhos.
No dia seguinte, uma nova etapa, um novo ciclo.
Sogra oficial, futura vovó, solteira com a filha casada.
Assim quis o virar das páginas da vida.
Assim foi.
O sono veio, o corpo entregou-se e ela adormeceu.
Ela nem viu, mas as bençãos de Deus acompanharam aquele sono cansado e feliz, apesar das lágrimas.
A filha se casara, elaficou feliz que deu tudo certo e seu pedido foi prontamente atendido.
Deus não abandona mães dedicadas, sinceras e felizes.
Deus auxilia no conforto da dor da ausência.
Deus permite que a felicidade acompanhe os primeiros passos da filha querida, mas ao mesmo tempo, os passos dela em direção a não se sabe para onde, para quê, para quando.
Assim é.
Assim foi.
Assim será.

Um comentário:

  1. Costa, muito triste, muito verdadeiro, muito real, voce definiu uma emocão indefinida, eu acho.
    Voce se colocou no lugar dela imaginou como estava se sentindo e como pode?
    Te admiro muito por essa sensibilidade linda.-
    Rho,

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