O cansaço era mais forte que o sorriso, ainda mais naquelas altas horas da madrugada. A sandália assassina do salto 10 já havia voado para longe, ainda na sala, deixando o corpo cair no sofá pouco usado, mas que agora era uma benção para receber o corpo morto, arreado. O silêncio do apartamento deixava aparecer os ecos da festa que terminara meia hora atrás.
Sorriso leve no rosto, mas misturado com o salgado da lágrima que brotou junto com ele.
Uma lágrima de saudade e de medo do silêncio.
Depois de tantos anos, ela estava sozinha no apartamento antes dividido com a filha, que agora estava casada e iniciava a vida dela.
E ela, como mãe, ao lado da filha em todos os momentos, apoiou a idéia e torceu, desde o primeiro minuto, para a felicidade da filha e do genro.
Meu Deus, pensou ela, foi tudo muito rápido.
Ainda ontem a filha tinha 15 anos, era uma boneca e tinha a vida pela frente.
A parede do apartamento recebia uma foto das duas juntas e ela ficou olhando para a filha, ainda pequena, agora mulher, esposa, profissional de renome e dona da vida que ela escolhera, sem palpites da mãe.
Levantou-se vagarosamente, caminhou pela sala, passou o dedo na foto da filha, limpou mais uma lágrima e foi para o quarto.
No quarto que era da filha, o aperto tomou conta do peito, com armários já vazios, sapateiras vazias, escrivaninha vazia, espaço do computador vazio, bicho de estimação ausente, tudo limpo e arrumado, sem a filha, que agora arrumara a casa dela.
Um aperto na garganta, um choro baixinho, uma sensação de vazio e de solidão, apesar da felicidade.
A madrugada silenciosa no cruzamento barulhento, mostrava apenas o cruzamento do vazio dela pela ausência da filha com mais uma etapa a vencer na vida, sozinha desta vez.
Tirou o lindo vestido, abriu o chuveiro, deixou que a água lavasse a saudade e fechou os olhos.
Depois de meia hora, arrumou-se, deitou-se na cama e apagou a luz.
No escuro, rezou pela filha e pelo genro, rezou por ela, pediu a Deus que não a abandonasse e fechou os olhos.
No dia seguinte, uma nova etapa, um novo ciclo.
Sogra oficial, futura vovó, solteira com a filha casada.
Assim quis o virar das páginas da vida.
Assim foi.
O sono veio, o corpo entregou-se e ela adormeceu.
Ela nem viu, mas as bençãos de Deus acompanharam aquele sono cansado e feliz, apesar das lágrimas.
A filha se casara, elaficou feliz que deu tudo certo e seu pedido foi prontamente atendido.
Deus não abandona mães dedicadas, sinceras e felizes.
Deus auxilia no conforto da dor da ausência.
Deus permite que a felicidade acompanhe os primeiros passos da filha querida, mas ao mesmo tempo, os passos dela em direção a não se sabe para onde, para quê, para quando.
Assim é.
Assim foi.
Assim será.
Costa, muito triste, muito verdadeiro, muito real, voce definiu uma emocão indefinida, eu acho.
ResponderExcluirVoce se colocou no lugar dela imaginou como estava se sentindo e como pode?
Te admiro muito por essa sensibilidade linda.-
Rho,